Hoje, ao ouvir a primeira leitura da missa, do Livro de 1º Reis 3,5-15,
fiquei impressionada com a resposta de Salomão dada a Deus quando Este perguntou-lhe:
- Pede! Que posso Eu dar-te?.
Desde muito nova, o personagem bíblico Salomão sempre me
chamou a atenção. Quase sempre ele é conotado com aquela célebre decisão em
conhecer a verdadeira mãe daquela criança que era disputada por duas mulheres. (1º Reis 3,16-28)
Se Deus se aproximasse de mim, perguntando-me:
- Pede! Que posso Eu dar-te?
Qual seria a minha resposta?
Todos os cuidados materiais deste mundo certamente encheriam
a minha cabeça e talvez rapidamente estaria ali a pedir-Lhe uma casa, um
estatuto social, riqueza e outros tantos bens materiais que certamente necessitaria
para ser humanamente feliz.
E se não fossem estes cuidados materiais, pensaria numa cura
de uma doença, num emprego estável e bem remunerado, em ter uma vida calma até
o fim dos meus dias nesta terra.
Mas eis que Salomão, ainda jovem, adianta-se no tempo e no
espaço de si mesmo; e pede a Deus algo bem mais precioso que todas estas coisas
findáveis, apesar de humanamente necessárias.
“Salomão respondeu: «Tu trataste o teu servo David, meu pai,
com grande misericórdia, porque ele andou sempre na tua presença com lealdade,
justiça e rectidão de coração para contigo; conservaste para com ele essa
grande misericórdia, concedendo-lhe um filho que hoje está sentado no seu
trono. Agora, Senhor, meu Deus, és Tu também que fazes reinar o teu servo em lugar
de David, meu pai; mas eu não passo de um jovem inexperiente que não sabe ainda
como governar. O teu servo encontra-se agora no meio do teu povo escolhido, um
povo tão numeroso que ninguém o pode contar nem enumerar, por causa da sua
multidão. Terás, pois, de conceder ao teu servo um coração cheio de
entendimento para governar o teu povo, para discernir entre o bem e o mal. De
outro modo, quem seria capaz de julgar o teu povo, um povo tão importante?»” (1º
Reis 3,6-9)
Ao ler devagar o pedido de Salomão a Deus, percebo o quanto
ainda não tinha realmente me debruçado sobre esta sabedoria de Salomão que
tanto o honrou em toda a sua vida.
Se ler com calma cada frase que antecedeu o seu pedido a
Deus, percebe-se que Salomão quando fez o seu pedido, não pensou em si
próprio.
Para começar, ele disse: “«Tu trataste o teu servo David,
meu pai, com grande misericórdia, porque ele andou sempre na tua presença com
lealdade, justiça e rectidão de coração para contigo; conservaste para com ele
essa grande misericórdia, concedendo-lhe um filho que hoje está sentado no seu
trono.” (1º Reis 3,6)
Salomão, nesta sua primeira frase a Deus, agradece
primeiramente as suas origens, lembrando-se do seu pai David. Ele revela uma
imensa gratidão a Deus, especialmente pelas graças dadas ao seu pai David,
especialmente por este ter tido um filho, que é o próprio Salomão. Quem conhece
a história bíblica de David, sabe que este não foi uma pessoa tão leal, justa ou reta como diz
Salomão. Sim, David arrependeu-se das suas falhas, algumas muito graves e
demonstrou imenso arrependimento, tornando-se justo e endireitando as suas
escolhas inicialmente erradas.
O que justifica um ser humano perante Deus é
exatamente este querer corrigir o que de mal fez.
Todos nós erramos e caímos. A
nossa fé em Deus concentra-se neste levantar da lama das nossas falhas e depois
corrigi-las.
A grandeza dos filhos de Deus está nesta busca incessante pela perfeição
a partir dos pequenos gestos.
David o provou que é possível. Efetivamente ele
tornou-se, aos poucos, um homem cada vez mais digno ao longo da sua vida.
Salomão não lembra os erros do seu pai. Antes, glorifica os
acertos deste, agradecendo a Deus esta graça que seu pai David lhe ensinou e
pela sua busca de santidade que o fez digno, como rei e como pai, ao longo da
sua vida.
Salomão considera-se um gesto de misericórdia de Deus para
seu pai – “…conservaste para com ele (David) essa grande misericórdia,
concedendo-lhe um filho que hoje está sentado no seu trono.”
Assim, Salomão inicia o seu pedido a Deus com uma oração de
louvor e de gratidão a Deus, pelo seu passado, especialmente por lhe ter concedido
a graça de nascer e de ter como pai, o rei David.
"Antes de mais, uma constatação deveria surpreender-nos. É que, quando louvamos a Deus ou Lhe damos graças pelos seus benefícios em geral, não nos importamos nada com saber se a nossa oração Lhe é agradável, ao passo que exigimos ver o resultado da nossa petição. Qual é, então, a imagem de Deus que motiva a nossa oração: um meio a utilizar ou o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo?" (Catecismo da Igreja Católica nº 2735)
Salomão ensina-me que antes de pedir qualquer coisa a Deus,
o nosso coração tem de ser grato e ao mesmo tempo, cheio de perdão para com os
nossos antepassados. Só assim podemos recomeçar a nossa história. Se não
perdoarmos os nossos antepassados, como poderemos seguir livres de todo o mal
que continuamente lembramos de geração em geração.
Perdoar é a chave que nos
liberta do mal feito pelos outros. E para além disso, agradecer a Deus por
termos nascido, pois este nosso nascimento é uma grande misericórdia de Deus na
vida dos nossos progenitores.
"A oração cristã vai até ao perdão dos inimigos (Cf. Mt 5, 43-44).
Transfigura o discípulo, configurando-o com o seu Mestre. O perdão é o cume da
oração cristã; o dom da oração só pode ser recebido num coração em sintonia com
a compaixão divina. O perdão testemunha também que, no nosso mundo, o amor é
mais forte que o pecado. Os mártires de ontem e de hoje dão este testemunho de
Jesus. O perdão é a condição fundamental da reconciliação (Cf. 2 Cor 5, 18-21) dos filhos de
Deus com o seu Pai e dos homens entre si (Cf. João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 14: AAS 72 (1980) 1221-1228.)". (Catecismo da Igreja Católica nº 2844)
Agora vou meditar a segunda parte do pedido de Salomão a
Deus:
“Agora, Senhor, meu Deus, és Tu também que fazes reinar o
teu servo em lugar de David, meu pai; mas eu não passo de um jovem inexperiente
que não sabe ainda como governar. O teu servo encontra-se agora no meio do teu
povo escolhido, um povo tão numeroso que ninguém o pode contar nem enumerar,
por causa da sua multidão.” (1º Reis 3,7-8)
Nesta segunda parte, Salomão coloca diante de Deus, a sua
fragilidade diante do alto cargo que lhe está destinado por ser filho de David.
Aliás, ele diz que é “um jovem
inexperiente que não sabe ainda como governar”.
Salomão declara-se impotente
para o cargo de rei que lhe destinaram. Diz abertamente a
Deus que sozinho e humanamente, apenas a contar com as suas capacidades, não
irá conseguir realizar bem o cargo que lhe destinaram.
Salomão derrama-se no
colo de Deus e diz, humildemente, que não conseguirá sozinho realizar o que lhe
pedem para fazer.
Depois louva o povo
que tem para governar, a sua história e a sua quantidade, que é para além das
suas capacidades humanas.
"A bênção exprime o movimento de fundo da oração cristã: ela é o encontro de Deus com o homem; nela se encontram e unem o dom de Deus e o acolhimento do homem. A oração de bênção é a resposta do homem aos dons de Deus: uma vez que Deus abençoa, o coração do homem pode responder bendizendo Aquele que é a fonte de toda a bênção." (Catecismo da Igreja Católica nº 2626)
Salomão não fala mal nem aponta as fragilidades do
povo de Israel. Salomão não aponta defeitos para o cargo que irá ocupar. Ele
assume-se como o próprio “defeito”. Não está nos outros o erro, o mal, a
fragilidade e a incapacidade. Salomão assume para si próprio todo este erro,
mal, fragilidade e incapacidade. É ele, Salomão, que é o mais fraco entre todos
que irá governar, e por isso assume-se o mais pequeno em todo o povo que irá
governar.
Salomão ensina-me nesta segunda parte do seu pedido a Deus,
que nunca devemos apontar culpas aos outros pelas nossas incapacidades. Na verdade,
é a partir de nós mesmos que começa esta fragilidade.
Ninguém é capaz de fazer, seja o que for, se estiver a
contar apenas com as suas próprias habilidades e capacidades.
E então após estes dois primeiros passos é que Salomão faz o
derradeiro pedido a Deus:
“Terás, pois, de conceder ao teu servo um coração cheio de
entendimento para governar o teu povo, para discernir entre o bem e o mal. De
outro modo, quem seria capaz de julgar o teu povo, um povo tão importante?” (1º
Reis 3,9)
Então Salomão pede a Deus, não honras, nem riquezas
materiais, nem vitórias nas batalhas que travaria …
Salomão pede “um coração cheio de entendimento
para governar o teu povo, para discernir entre o bem e o mal”.
Salomão pede que Deus lhe conceda um bem que só Deus poderia
dar a um ser humano. E depois justifica-se, que esse bem que lhe pede, não é para ele próprio, mas para que possa governar o
povo de Deus, discernindo entre o bem e o mal e assim reinando com a justiça
que este povo de Deus tanto merece.
Salomão, mais uma vez, mostra-se humilde em seu pedido, pois
se avança com tal desejo, não é para consolo terreno, antes, para que possa ser
capaz de governar com justiça.
Eu aprendo com Salomão, que se alguma vez, pedir a Deus, devo
dar estes três passos: louvor, agradecimento e perdão.
São três passos que se unem numa só palavra: humildade.
Se formos capazes de rezar a Deus com verdadeira humidade
como o fez Salomão, penso que Deus não negaria nada que lhe pedíssemos.
E realmente, após esta demonstração de imensa humildade, eis
que Deus concede a Salomão não só o seu pedido mas muito e para além do que Lhe foi pedido:
“Esta oração de Salomão agradou ao Senhor, que lhe disse: «Já
que me pediste isso e não uma longa vida, nem riqueza, nem a morte dos teus
inimigos, mas sim o discernimento para governar com rectidão, vou proceder
conforme as tuas palavras: dou-te um coração sábio e perspicaz, tão hábil que
nunca existiu nem existirá jamais alguém como tu. Dou-te também o que nem sequer
pediste: riquezas e glória, de tal modo que, durante a tua vida, não existirá
rei que te seja igual. Se andares nos meus caminhos e observares as minhas
ordens como fez David, teu pai, dar-te-ei uma longa vida.»” (1º Reis 3,10-14)
E então, eis que Deus concede não só o que Salomão pediu mas
dá-lhe ainda mais, aliás, oferece-lhe o que humanamente qualquer pessoa iria
necessitar. Deus sabe do que precisamos e conhece as fragilidades humanas. Por isso,
Deus adianta-se a conceder-lhe tudo o que advém de uma vida com sabedoria.
Se a sabedoria não estiver em nossas ações, pensamentos e sentimentos,
como poderemos escolher entre o mal e o bem?
"A vida moral dos cristãos é sustentada pelos dons do
Espírito Santo. Estes são disposições permanentes que tornam o homem dócil aos
impulsos do Espírito Santo. Os sete dons do Espírito Santo são: sabedoria,
entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus. Pertencem
em plenitude a Cristo, filho de David (Cf. Is 11, 1-2). Completam e levam à
perfeição as virtudes de quem os recebe. Tornam os fiéis dóceis, na obediência
pronta, às inspirações divinas. «Que o vosso espírito de bondade me conduza pelo caminho
recto» (Sl 143, 10). «Todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus
são filhos de Deus [...]; se somos filhos, também somos herdeiros: herdeiros de
Deus, co-herdeiros de Cristo» (Rm 8, 14.17). (Catecismo da Igreja Católica nºs. 1830-1831)
Tudo encontra-se na sabedoria que vem de Deus. Sem a
sabedoria em Deus, não somos capazes de discernir o que é bom ou mau para nós.
A sabedoria de Deus é capaz de ir além do que se vê no horizonte
do dia de hoje. A sabedoria de Deus lê as páginas da nossa vida, uma após outra, e então desenha o que é bom e mau para nós.
O nosso entendimento humano é incapaz de chegar tão longe.
Salomão percebeu isso, e então foi capaz de alcançar de Deus
tamanha graça, pelo caminho pequenino de um coração humilde perante Deus.
Então, quando colocar algum pedido diante de Deus,
aprenderei com a humildade de Salomão com estes três passos: louvor,
agradecimento e perdão.
(Autora: Rosária Grácio)
Bibliografia:
Passagens bíblicas consultadas em:
Frases do Catecismo da Igreja Católica consultadas em:
Fotos de Rosária Grácio
Pinturas de Gráccio Caetano