domingo, 30 de julho de 2017

O que desejas de Deus para a tua vida?



Hoje, ao ouvir a primeira leitura da missa, do Livro de 1º Reis 3,5-15, fiquei impressionada com a resposta de Salomão dada a Deus quando Este perguntou-lhe: 

-  Pede! Que posso Eu dar-te?.

Desde muito nova, o personagem bíblico Salomão sempre me chamou a atenção. Quase sempre ele é conotado com aquela célebre decisão em conhecer a verdadeira mãe daquela criança que era disputada por duas mulheres. (1º Reis 3,16-28)

Se Deus se aproximasse de mim, perguntando-me:
- Pede! Que posso Eu dar-te?

Qual seria a minha resposta?

Todos os cuidados materiais deste mundo certamente encheriam a minha cabeça e talvez rapidamente estaria ali a pedir-Lhe uma casa, um estatuto social, riqueza e outros tantos bens materiais que certamente necessitaria para ser humanamente feliz.

E se não fossem estes cuidados materiais, pensaria numa cura de uma doença, num emprego estável e bem remunerado, em ter uma vida calma até o fim dos meus dias nesta terra.

Mas eis que Salomão, ainda jovem, adianta-se no tempo e no espaço de si mesmo; e pede a Deus algo bem mais precioso que todas estas coisas findáveis, apesar de humanamente necessárias.

Salomão respondeu: «Tu trataste o teu servo David, meu pai, com grande misericórdia, porque ele andou sempre na tua presença com lealdade, justiça e rectidão de coração para contigo; conservaste para com ele essa grande misericórdia, concedendo-lhe um filho que hoje está sentado no seu trono. Agora, Senhor, meu Deus, és Tu também que fazes reinar o teu servo em lugar de David, meu pai; mas eu não passo de um jovem inexperiente que não sabe ainda como governar. O teu servo encontra-se agora no meio do teu povo escolhido, um povo tão numeroso que ninguém o pode contar nem enumerar, por causa da sua multidão. Terás, pois, de conceder ao teu servo um coração cheio de entendimento para governar o teu povo, para discernir entre o bem e o mal. De outro modo, quem seria capaz de julgar o teu povo, um povo tão importante?»” (1º Reis 3,6-9)

Ao ler devagar o pedido de Salomão a Deus, percebo o quanto ainda não tinha realmente me debruçado sobre esta sabedoria de Salomão que tanto o honrou em toda a sua vida.

Se ler com calma cada frase que antecedeu o seu pedido a Deus, percebe-se que Salomão quando fez o seu pedido, não pensou em si próprio.

Para começar, ele disse: “«Tu trataste o teu servo David, meu pai, com grande misericórdia, porque ele andou sempre na tua presença com lealdade, justiça e rectidão de coração para contigo; conservaste para com ele essa grande misericórdia, concedendo-lhe um filho que hoje está sentado no seu trono.” (1º Reis 3,6)

Salomão, nesta sua primeira frase a Deus, agradece primeiramente as suas origens, lembrando-se do seu pai David. Ele revela uma imensa gratidão a Deus, especialmente pelas graças dadas ao seu pai David, especialmente por este ter tido um filho, que é o próprio Salomão. Quem conhece a história bíblica de David, sabe que este não foi uma pessoa tão leal, justa ou reta como diz Salomão. Sim, David arrependeu-se das suas falhas, algumas muito graves e demonstrou imenso arrependimento, tornando-se justo e endireitando as suas escolhas inicialmente erradas. 

O que justifica um ser humano perante Deus é exatamente este querer corrigir o que de mal fez. 

Todos nós erramos e caímos. A nossa fé em Deus concentra-se neste levantar da lama das nossas falhas e depois corrigi-las. 

A grandeza dos filhos de Deus está nesta busca incessante pela perfeição a partir dos pequenos gestos. 

David o provou que é possível. Efetivamente ele tornou-se, aos poucos, um homem cada vez mais digno ao longo da sua vida.


Salomão não lembra os erros do seu pai. Antes, glorifica os acertos deste, agradecendo a Deus esta graça que seu pai David lhe ensinou e pela sua busca de santidade que o fez digno, como rei e como pai, ao longo da sua vida.

Salomão considera-se um gesto de misericórdia de Deus para seu pai – “…conservaste para com ele (David) essa grande misericórdia, concedendo-lhe um filho que hoje está sentado no seu trono.”

Assim, Salomão inicia o seu pedido a Deus com uma oração de louvor e de gratidão a Deus, pelo seu passado, especialmente por lhe ter concedido a graça de nascer e de ter como pai, o rei David.  

"Antes de mais, uma constatação deveria surpreender-nos. É que, quando louvamos a Deus ou Lhe damos graças pelos seus benefícios em geral, não nos importamos nada com saber se a nossa oração Lhe é agradável, ao passo que exigimos ver o resultado da nossa petição. Qual é, então, a imagem de Deus que motiva a nossa oração: um meio a utilizar ou o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo?" (Catecismo da Igreja Católica nº 2735)

Salomão ensina-me que antes de pedir qualquer coisa a Deus, o nosso coração tem de ser grato e ao mesmo tempo, cheio de perdão para com os nossos antepassados. Só assim podemos recomeçar a nossa história. Se não perdoarmos os nossos antepassados, como poderemos seguir livres de todo o mal que continuamente lembramos de geração em geração. 

Perdoar é a chave que nos liberta do mal feito pelos outros. E para além disso, agradecer a Deus por termos nascido, pois este nosso nascimento é uma grande misericórdia de Deus na vida dos nossos progenitores.

"A oração cristã vai até ao perdão dos inimigos (Cf. Mt 5, 43-44). Transfigura o discípulo, configurando-o com o seu Mestre. O perdão é o cume da oração cristã; o dom da oração só pode ser recebido num coração em sintonia com a compaixão divina. O perdão testemunha também que, no nosso mundo, o amor é mais forte que o pecado. Os mártires de ontem e de hoje dão este testemunho de Jesus. O perdão é a condição fundamental da reconciliação (Cf. 2 Cor 5, 18-21) dos filhos de Deus com o seu Pai e dos homens entre si (Cf. João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 14: AAS 72 (1980) 1221-1228.)". (Catecismo da Igreja Católica nº 2844)



Agora vou meditar a segunda parte do pedido de Salomão a Deus:
“Agora, Senhor, meu Deus, és Tu também que fazes reinar o teu servo em lugar de David, meu pai; mas eu não passo de um jovem inexperiente que não sabe ainda como governar. O teu servo encontra-se agora no meio do teu povo escolhido, um povo tão numeroso que ninguém o pode contar nem enumerar, por causa da sua multidão.” (1º Reis 3,7-8)

Nesta segunda parte, Salomão coloca diante de Deus, a sua fragilidade diante do alto cargo que lhe está destinado por ser filho de David. Aliás, ele diz que é “um jovem inexperiente que não sabe ainda como governar”

Salomão declara-se impotente para o cargo de rei que lhe destinaram. Diz abertamente a Deus que sozinho e humanamente, apenas a contar com as suas capacidades, não irá conseguir realizar bem o cargo que lhe destinaram.

Salomão derrama-se no colo de Deus e diz, humildemente, que não conseguirá sozinho realizar o que lhe pedem para fazer. 

Depois louva o povo que tem para governar, a sua história e a sua quantidade, que é para além das suas capacidades humanas. 

"A bênção exprime o movimento de fundo da oração cristã: ela é o encontro de Deus com o homem; nela se encontram e unem o dom de Deus e o acolhimento do homem. A oração de bênção é a resposta do homem aos dons de Deus: uma vez que Deus abençoa, o coração do homem pode responder bendizendo Aquele que é a fonte de toda a bênção." (Catecismo da Igreja Católica nº 2626)

Salomão não fala mal nem aponta as fragilidades do povo de Israel. Salomão não aponta defeitos para o cargo que irá ocupar. Ele assume-se como o próprio “defeito”. Não está nos outros o erro, o mal, a fragilidade e a incapacidade. Salomão assume para si próprio todo este erro, mal, fragilidade e incapacidade. É ele, Salomão, que é o mais fraco entre todos que irá governar, e por isso assume-se o mais pequeno em todo o povo que irá governar.

Salomão ensina-me nesta segunda parte do seu pedido a Deus, que nunca devemos apontar culpas aos outros pelas nossas incapacidades. Na verdade, é a partir de nós mesmos que começa esta  fragilidade.

Ninguém é capaz de fazer, seja o que for, se estiver a contar apenas com as suas próprias habilidades e capacidades.

E então após estes dois primeiros passos é que Salomão faz o derradeiro pedido a Deus:

“Terás, pois, de conceder ao teu servo um coração cheio de entendimento para governar o teu povo, para discernir entre o bem e o mal. De outro modo, quem seria capaz de julgar o teu povo, um povo tão importante?” (1º Reis 3,9)

Então Salomão pede a Deus, não honras, nem riquezas materiais, nem vitórias nas batalhas que travaria …

Salomão pede “um coração cheio de entendimento para governar o teu povo, para discernir entre o bem e o mal”.

Salomão pede que Deus lhe conceda um bem que só Deus poderia dar a um ser humano.  E depois justifica-se, que esse bem que lhe pede, não é para ele próprio, mas para que possa governar o povo de Deus, discernindo entre o bem e o mal e assim reinando com a justiça que este povo de Deus tanto merece.

Salomão, mais uma vez, mostra-se humilde em seu pedido, pois se avança com tal desejo, não é para consolo terreno, antes, para que possa ser capaz de governar com justiça.

Eu aprendo com Salomão, que se alguma vez, pedir a Deus, devo dar estes três passos: louvor, agradecimento e perdão.
São três passos que se unem numa só palavra: humildade.

Se formos capazes de rezar a Deus com verdadeira humidade como o fez Salomão, penso que Deus não negaria nada que lhe pedíssemos.

E realmente, após esta demonstração de imensa humildade, eis que Deus concede a Salomão não só o seu pedido mas muito e para além do que Lhe foi pedido:

“Esta oração de Salomão agradou ao Senhor, que lhe disse: «Já que me pediste isso e não uma longa vida, nem riqueza, nem a morte dos teus inimigos, mas sim o discernimento para governar com rectidão, vou proceder conforme as tuas palavras: dou-te um coração sábio e perspicaz, tão hábil que nunca existiu nem existirá jamais alguém como tu. Dou-te também o que nem sequer pediste: riquezas e glória, de tal modo que, durante a tua vida, não existirá rei que te seja igual. Se andares nos meus caminhos e observares as minhas ordens como fez David, teu pai, dar-te-ei uma longa vida.»” (1º Reis 3,10-14)

E então, eis que Deus concede não só o que Salomão pediu mas dá-lhe ainda mais, aliás, oferece-lhe o que humanamente qualquer pessoa iria necessitar. Deus sabe do que precisamos e conhece as fragilidades humanas. Por isso, Deus adianta-se a conceder-lhe tudo o que advém de uma vida com sabedoria.

Se a sabedoria não estiver em nossas ações, pensamentos e sentimentos, como poderemos escolher entre o mal e o bem?

"A vida moral dos cristãos é sustentada pelos dons do Espírito Santo. Estes são disposições permanentes que tornam o homem dócil aos impulsos do Espírito Santo. Os sete dons do Espírito Santo são: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus. Pertencem em plenitude a Cristo, filho de David (Cf. Is 11, 1-2). Completam e levam à perfeição as virtudes de quem os recebe. Tornam os fiéis dóceis, na obediência pronta, às inspirações divinas. «Que o vosso espírito de bondade me conduza pelo caminho recto» (Sl 143, 10). «Todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus [...]; se somos filhos, também somos herdeiros: herdeiros de Deus, co-herdeiros de Cristo» (Rm 8, 14.17). (Catecismo da Igreja Católica nºs. 1830-1831)


Tudo encontra-se na sabedoria que vem de Deus. Sem a sabedoria em Deus, não somos capazes de discernir o que é bom ou mau para nós.

A sabedoria de Deus é capaz de ir além do que se vê no horizonte do dia de hoje. A sabedoria de Deus lê as páginas da nossa vida, uma após outra, e então desenha o que é bom e mau para nós.

O nosso entendimento humano é incapaz de chegar tão longe.

Salomão percebeu isso, e então foi capaz de alcançar de Deus tamanha graça, pelo caminho pequenino de um coração humilde perante Deus.


Então, quando colocar algum pedido diante de Deus, aprenderei com a humildade de Salomão com estes três passos: louvor, agradecimento e perdão. 

(Autora: Rosária Grácio)


Bibliografia:
Passagens bíblicas consultadas em:

Frases do Catecismo da Igreja Católica consultadas em:

Fotos de Rosária Grácio

Pinturas de Gráccio Caetano