domingo, 30 de abril de 2017

“Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.”



“Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mateus 5, 9)

Segundo o dicionário, “Pacificador” é “aquele que pacifica”. Esta palavra nasce da palavra “paz” e são pacíficos aqueles que forem amigos da paz e da ordem, pessoas tranquilas e sossegadas, que não gostam de criar conflitos ou problemas. No dicionário até se pode encontrar um termo sinónimo mais audaz: um pacífico é aquele que “não recorre à força armada”!

Por vezes, há quem diga que pela paz, até será lícito recorrer às armas. No entanto, penso que essa atitude contradiz totalmente a vontade de paz que dizem ter.

Claro que toda esta questão dos conflitos e discussões, não nos deve remeter a um silêncio de abstenção ou indiferença, perante o que está certo e o que está errado.

Também há que se entender que ao ser-se tranquilo e sossegado, não quer dizer que se deva estar cada qual no seu canto, a ver e a acenar à história, sem qualquer atitude ou posição.


Um pacificador, até diria, um verdadeiro pacífico, criará a paz não tanto pelas palavras, mas antes com as suas atitudes.

Nos nossos tempos, isto parece-nos uma utopia. Todos os dias deparamo-nos com situações tão injustas que por vezes, até dizemos que só pela guerra e violência, é possível fazer a justiça.

Eu mesma, penso assim algumas vezes, tendo em consideração tanta violência e atrocidade que vejo no mundo.

Mas será que a violência resolve alguma coisa? 

As duas guerras mundiais que a Europa conheceu no século XX, será que resolveram alguma coisa?

Os regimes ditatoriais que punem violentamente as posições contrárias foram, alguma vez, exemplos de justiça?

Pensando bem, nenhum dos conflitos, de que me lembro, resultou em paz. O que resultou foi numa “aparente paz” que pela força calou a alguns e deixou falar outros. 



A meu ver, todas as sociedades nascidas de uma guerra são exemplos de política ditatorial.

Diante destas perguntas acerca da paz e da guerra, deparo-me com o Papa Francisco.

Nos últimos anos, a Igreja Católica tem sido alvo de várias perseguições. Aliás, ela é uma das mais visadas pelos ataques suicidas dos extremistas muçulmanos. E para além disso, há sempre quem pense que a Igreja Católica é antiquada e que os seus valores já não interessam à sociedade moderna e avançada dos nossos tempos.

Quem está atento à perseguição religiosa no mundo sabe que no Egito, para além da ameaça à vida, também esta perseguição tem um caráter social, negando-se aos cristãos empregos e até mesmo impondo-se contra eles um boicote, a lembrar-me o que ocorreu aquando da perseguição aos judeus, efetuada pelo ditador Hitler, no século XX.

Porém diante destas cruéis perseguições a Cristo, Jesus chama-nos à paz:

Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mateus 5, 9)


Diante de tudo o que nos acontece e vemos neste mundo, temos que optar se queremos ser filhos de Deus ou não.

E apenas os pacificadores serão “chamados filhos de Deus”.

Esta bem-aventurança de Jesus fundamenta-se na Bíblia.

Aliás, esta escolha pela guerra e pela paz vem dos primeiros tempos dos patriarcas de Israel:

“Isaac pediu a protecção do SENHOR para a sua mulher, que era estéril. O SENHOR ouviu-o e Rebeca, sua mulher, concebeu. As crianças lutavam no seu seio, e ela disse: «Se isto devia suceder, para que havia eu de conceber?» E foi consultar o SENHOR, que lhe respondeu: «Duas nações estão no teu seio: dois povos sairão das tuas entranhas. Um prevalecerá sobre o outro, e o mais velho servirá o mais novo.» Quando chegou o tempo em que devia dar à luz, saíram dois gémeos do seu seio. O primeiro que nasceu era ruivo, todo coberto de pêlos como se fosse um manto, e por isso lhe deram o nome de Esaú. Depois, saiu o irmão, segurando com a mão o calcanhar de Esaú. E por isso lhe deram o nome de Jacob. Quando eles vieram ao mundo, Isaac tinha sessenta anos. As crianças cresceram. Esaú fez-se hábil caçador, um homem dos campos, ao passo que Jacob era um homem tranquilo, que habitava em tendas. Isaac preferia Esaú, porque gostava de caça, mas a ternura de Rebeca ia para Jacob.” (Gênesis 25, 21-28)

Quem conhece a história bíblica de Jacó e Esaú, que a todos recomendo ler, sabe bem como esta história irá terminar. Será muito complicado para Esaú, o primeiro, aquele considerado o escolhido para líder, ver-se, depois suplantado pela sabedoria pacificadora de Jacó.

Outro exemplo de vida bíblico encontra-se em Salomão que apesar do seu pai David ter sido um guerreiro próspero e vitorioso, a paz só foi vivida pelo povo de Israel no reinado de Salomão. David, ao fim da sua vida, assim disse ao seu filho:

Disse-lhe: «Meu filho, eu estava decidido a construir uma casa ao nome do Senhor, meu Deus. Mas a palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: ‘Tu derramaste muito sangue e fizeste grandes guerras. Não construirás uma casa ao meu nome, pois derramaste, diante de mim, muito sangue sobre a terra. Nascer-te-á um filho que será um homem pacífico; dar-lhe-ei paz com todos os seus inimigos ao redor. O seu nome será Salomão e, nos seus dias, darei paz e calma a Israel. Ele edificará uma casa ao meu nome, será para mim um filho e Eu serei para ele um pai. Firmarei para sempre o trono da sua realeza sobre Israel.’ Portanto, que o Senhor esteja contigo, meu filho, para que prosperes e construas o templo do Senhor, teu Deus, segundo o que Ele disse de ti. Que o Senhor se digne conceder-te sabedoria e inteligência, quando te fizer reinar sobre Israel, para que observes a Lei do Senhor, teu Deus. Então, prosperarás, se te aplicares à observância das leis e dos mandamentos que o Senhor prescreveu a Moisés, para Israel. Sê forte e corajoso, não temas nem te amedrontes.” (I Crônicas 22, 7- 13)

Nos salmos, há também uma grande promessa de Deus:
Observa o homem honrado, repara no homem justo, porque o homem de paz terá descendência”. (Salmos 37(36), 37)

Quando Jesus manda os discípulos às cidades para pregarem a sua palavra, eis as suas recomendações:

Depois disto, o Senhor designou outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. Disse-lhes: «A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe. Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa, nem alforge, nem sandálias; e não vos detenhais a saudar ninguém pelo caminho. Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’ E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós." (São Lucas 10,1- 6)

Os apóstolos de Jesus perpetuaram esta missão de paz, mesmo em meio às furiosas perseguições dos primeiros tempos da Igreja. Assim disse São Pedro, o primeiro papa:

“Finalmente, tende todos o mesmo pensar e os mesmos sentimentos, o amor de irmãos, a misericórdia e a humildade. Não pagueis o mal com o mal, nem a injúria com a injúria; pelo contrário, respondei com palavras de bênção, pois a isto fostes chamados: a herdar uma bênção." (I São Pedro 3, 8- 9)



Ser pacífico, nos nossos tempos poderá parecer um desafio, que talvez vá para muito além do humanamente racional.

Porém, a história revela-nos que efetivamente, são os pacíficos que herdam uma verdadeira glória humana, pela sua memória que se torna eterna pelas gerações vindouras.


Efetivamente a paz de Deus não é a paz humana. 

A paz que vem de Deus ultrapassa toda a paz pensada e planeada pelos seres humanos. 

Por isso, Jesus disse a seus apóstolos: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se assuste.”(São João 14, 27) 

Bibliografia:

Informação do significado das palavras “pacificador” e “pacífico” consultada no site:

Para estar atualizado acerca da perseguição religiosa aos cristãos no mundo convido-vos a conhecer o site “Portas abertas – Servindo cristãos perseguidos” em:
www.portasabertas.org.br/

As pinturas apresentadas são originais pintados por Gráccio Caetano:
www.gracciocaetano.com


quarta-feira, 12 de abril de 2017

“Felizes os puros de coração, porque verão a Deus.”



“Felizes os puros de coração, porque verão a Deus.” (Mateus 5, 8)

Estar puro ou não, sempre foi uma questão colocada pelos fariseus e publicanos no tempo de Jesus. Aliás, quando ele curava um leproso, considerado “impuro” no seu tempo, Jesus sempre lhe pedia para ir mostrar-se ao sacerdote no templo. Isso, porquê, era o sacerdote que deveria depois dizer publicamente que aquela pessoa já não se encontrava impura e assim podia voltar novamente ao seio da comunidade judaica.

“Ao descer do monte, seguia-o uma enorme multidão. Foi, então, abordado por um leproso que se prostrou diante dele, dizendo-lhe: «Senhor, se quiseres, podes purificar-me.» Jesus estendeu a mão e tocou-o, dizendo: «Quero, fica purificado!» No mesmo instante, ficou purificado da lepra. Jesus, porém, disse-lhe: «Vê, não o digas a ninguém; mas vai mostrar-te ao sacerdote e apresenta a oferta que Moisés preceituou, para que lhes sirva de testemunho.»" (Mateus 8, 1-4)

Jesus ao curar o leproso, estendeu-lhe a mão e tocou-o. Isto é realmente magnífico porque era Ele que tomava a iniciativa, sem muitas palavras.

Para além disso, a doença da lepra, no tempo de jesus, era incurável e também contagiosa, e por causa disso, percebe-se que o afastar das pessoas doentes do círculo da comunidade, também era no intuito de manter a saúde pública da época.

Doenças como a lepra e outras, podiam dizimar aldeias inteiras ou até cidades.

Isto de impureza e pureza parece ser um tema ultrapassado no nosso tempo. Mas julgo, que não é bem assim!

Hoje em dia, a questão coloca-se ainda, mas de outras formas e vestida de novos conceitos.


Por vezes, até acaba-se por enaltecer mais a impureza do que a pureza. Ou transformar uma na outra, dando-lhe novos conceitos conforme os intervenientes.

Por exemplo, o caso da doença da HIV, conhecida em alguns países como a Sida.

Um artista, quando morre de Sida, é quase que idolatrado como um herói. Lembromo-me do grande cantor Freddie Mercury (QUEEN), cujas as músicas encantaram o mundo. Eu especialmente, até hoje, gosto de ouvi-las. São músicas que sempre irão ultrapassar o tempo e ficarão sempre na minha memória.

No entanto, se falarmos das pessoas, não famosas, mas também infetadas com o HIV, então, tudo muda de figura.

Aliás, ainda hoje, se alguém assumir que está com o HIV, as pessoas, por mais compreensivas que sejam, irão se afastar ou pelo menos, não estar tão perto dessa pessoa.

É facto, também, que mesmo que a referida doença já possa ser controlada com medicamentos, hoje em dia, ainda assim, é um obstáculo social em termos de emprego, por exemplo.

Então, a questão de pureza e impureza, ainda que com novos nomes, atualmente também gera polêmica na sociedade moderna.

Até diria mais: a pureza hoje é muito mais valorizada do que no tempo de Jesus. Porém, esta pureza prende-se ao físico, à aparência e ao modo de vestir.

Nos filmes, essa busca da pureza prende-se à imagem do artista, que tem de ser perfeitamente forte, ágil e muito bonito. Especialmente, as mulheres, estas então, devem ter um aspeto de pura beleza e ao mesmo tempo, serem fortes, ativas e descomplexadas.

Porém, tudo isso é uma pureza aparente, sem qualquer conotação moral. O importante é o que se mostra no exterior. O bem e o mal encontram-se sucessivamente e mudam de patamar, conforme o enredo da história.



Era exatamente esta busca da pureza aparente, que Jesus tanto se debatia com os fariseus e publicanos do seu tempo. Estes, preocupavam-se mais com isso do que fazer efetivamente a Vontade de Deus.

Jesus saiu de novo para a beira-mar. Toda a multidão ia ao seu encontro, e Ele ensinava-os.  Ao passar, viu Levi, filho de Alfeu, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: «Segue-me.» E, levantando-se, ele seguiu Jesus.  Depois, quando se encontrava à mesa em casa dele, muitos cobradores de impostos e pecadores também se puseram à mesma mesa com Jesus e os seus discípulos, pois eram muitos os que o seguiam. Mas os doutores da Lei do partido dos fariseus, vendo-o comer com pecadores e cobradores de impostos, disseram aos discípulos: «Porque é que Ele come com cobradores de impostos e pecadores?» Jesus ouviu isto e respondeu: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.»"(Marcos 2, 13-17)

Jesus preocupava-se com a impureza interior, e por isso, até perdia a sua paciência, por causa da obsessão que via nos fariseus, pela manutenção da tal pureza exterior:

“Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade! Fariseu cego! Limpa antes o interior do copo, para que o exterior também fique limpo. Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes a sepulcros caiados: formosos por fora, mas, por dentro, cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de imundície! Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade." (Mateus 23, 25-28)

Para jesus, a impureza exterior e as consequentes restrições do seu tempo, não eram um obstáculo.

Independente dos rótulos sociais do seu tempo, Jesus nunca deixa de se aproximar e até deixa-se tocar pelos considerados “impuros” do seu tempo:

“Então, uma mulher, que padecia de uma hemorragia há doze anos, aproximou-se dele por trás e tocou-lhe na orla do manto, pois pensava consigo: ‘Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada.’ Jesus voltou-se e, ao vê-la, disse-lhe: «Filha, tem confiança, a tua fé te salvou.» E, naquele mesmo instante, a mulher ficou curada." (Mateus 9,20-22)



Jesus ousa até atravessar as fronteiras da sua identidade judaica e vai ao encontro dos estrangeiros ou daqueles que eram considerados excluídos no seu tempo, devido a crenças, ideologias ou opiniões contrárias:

“Entretanto, chegou certa mulher samaritana para tirar água. Disse-lhe Jesus: «Dá-me de beber.» Os seus discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos. Disse-lhe então a samaritana: «Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber a mim que sou samaritana?» É que os judeus não se dão bem com os samaritanos. Respondeu-lhe Jesus: «Se conhecesses o dom que Deus tem para dar e quem é que te diz: ‘dá-me de beber’, tu é que lhe pedirias, e Ele havia de dar-te água viva!»" (João 4, 7-10).

Jesus, sempre foi bastante claro, acerca do que exatamente e efetivamente mancha o ser humano e o torna impuro:

“Não sabeis que tudo aquilo que entra pela boca passa para o ventre e é expelido em lugar próprio? Mas o que sai da boca provém do coração; e é isso que torna o homem impuro. Do coração procedem as más intenções, os assassínios, os adultérios, as prostituições, os roubos, os falsos testemunhos e as blasfémias. É isto que torna o homem impuro. Mas comer com as mãos por lavar não torna o homem impuro.»" (Mateus 15, 17-20)

Nos nossos tempos, esta obsessão pelo exterior ainda se mantém.

As “limpezas exteriores” mostram-se atualmente na sua plenitude. 

Um artista, quando faz uma apresentação pública, tem de estar no seu máximo perfeito. Basta uma camisola meio suja, uma posição mais embaraçosa ou até um cabelo despenteado para que as revistas publiquem a sua imagem como desleixo ou falta de estilo… Se fazem qualquer gesto, por mínimo que seja, nem que seja um desabafo momentâneo, o público cai-lhe logo em cima. Não lhes é permitido qualquer fragilidade… Não é à toa, que alguns deles encharcam-se de drogas ou bebidas, ou então suicidam-se.

Por outro lado, a alguns és-lhe dado o silêncio e o esquecimento: os mendigos, as crianças de rua, o pobre que vai aos caixotes de lixo buscar a comida, o trabalhador, cujo o salário insuficiente obriga-o a uma pobreza escondida na solidão do seu apartamento, o deficiente físico ao qual é negado as oportunidades de emprego e as ajudas técnicas para manter a sua autonomia, ao doente crónico que não consegue pagar o remédio que lhe alivia ou cura  a doença, por ser muito caro e para além das suas possibilidades, etc.

Este condicionalismo social, no qual deixa-se todas estas pessoas, são como os leprosos, que no tempo de Jesus, estavam restritos, escondidos e reservados ao anonimato ou à sua casta social.

Este lado impuro da sociedade é a chamada “periferia existencial”, a que o Papa Francisco refere muitas vezes em suas declarações públicas. Um destes momentos, foi em 25 de agosto de 2014, na sua mensagem ao 35.° Encontro pela Amizade entre os Povos, promovido pelo movimento Comunhão e Libertação. O tema escolhido para o referido ano era: ‘Rumo às periferias do mundo e da existência’. Sim, porque segundo o Papa Francisco, “as periferias não são apenas locais, mas também, e acima de tudo, feitas por pessoas”. O Papa Francisco convida-nos a ser “uma Igreja presente nas “periferias da sociedade atual”.


As “periferias” são feitas por pessoas, e mesmo que aparentemente estejam completamente inseridas na sociedade, elas permanecem marginalizadas em um contexto psicológico ou social, pela extrema pobreza ou pela obsessão ao belo ou perfeito, que lhes é exigida.

 “Jesus chamou, depois, a multidão para junto de si e disse-lhes: «Escutai e tratai de compreender! Não é aquilo que entra pela boca que torna o homem impuro; o que sai da boca é que torna o homem impuro.» Os discípulos aproximaram-se dele e disseram-lhe: «Sabes que os fariseus ficaram escandalizados, por te ouvirem falar assim?»" (Mateus 15, 10-12)

Sim, estas palavras escandalizavam a todos que seguiam as tradições à risca, porém, ainda hoje, continuam a escandalizar. Este escândalo foi um dos motivos que levou Jesus à morte no seu tempo, e ainda hoje leva os cristãos do nosso tempo a serem perseguidos e até mortos.

Porém, toda esta novidade que Jesus trouxe, revoluciona e nos enche de entusiasmo, porque ainda hoje nos chama a atenção, assim como aconteceu com Zaqueu…

“Tendo entrado em Jericó, Jesus atravessava a cidade. Vivia ali um homem rico, chamado Zaqueu, que era chefe de cobradores de impostos. Procurava ver Jesus e não podia, por causa da multidão, pois era de pequena estatura. Correndo à frente, subiu a um sicómoro para o ver, porque Ele devia passar por ali. Quando chegou àquele local, Jesus levantou os olhos e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa.» Ele desceu imediatamente e acolheu Jesus, cheio de alegria. Ao verem aquilo, murmuravam todos entre si, dizendo que tinha ido hospedar-se em casa de um pecador. Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: «Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir-lhe quatro vezes mais.» Jesus disse-lhe: «Hoje veio a salvação a esta casa, por este ser também filho de Abraão; pois, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.»" (Lucas 19, 1-10)


Por isso, há que continuar a semear as palavras de Jesus por todos, como semente que poderá despertar nos corações daqueles que até julgávamos perdidos.

O ser humano é frágil. Ele pode buscar a perfeição, aparentar que é o mais puro do mundo, porém, este percurso de pureza tem de começar a partir de dentro.

Para Deus, o mais importante é o que somos, e não aquilo que aparentemos ser.

No nºs. 2518 e 2519 do Catecismo da Igreja Católica encontrei um belíssimo resumo desta desafiante proposta de Jesus:  

“A sexta bem-aventurança proclama: «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8). Os «puros de coração» são os que puseram a inteligência e a vontade de acordo com as exigências da santidade de Deus, principalmente em três domínios: a caridade (Cf. 1 Ts 4, 3-9: 2 Tm 2, 22.); a castidade ou rectidão sexual (Cf. 1Ts 4, 7; Cl 3, 5; Ef 4, 19); o amor da verdade e a ortodoxia da fé (Cf. Tt 1, 15; 1 Tm 1, 3-4; 2 Tm 2, 23-26.), Existe um nexo entre a pureza do coração, do corpo e da fé: Os fiéis devem crer nos artigos do Credo, «para que, crendo, obedeçam a Deus; obedecendo a Deus, vivam como deve ser; vivendo como deve ser, purifiquem o seu coração; e purificando o seu coração, compreendam aquilo em que crêem» (Santo Agostinho, De fide et symbolo, 10, 25: CSEL 25, 32 (PL 40, 196). Aos «puros de coração» é prometido que verão a Deus face a face e serão semelhantes a Ele (Cf. 1 Cor 13, 12; l Jo 3. 2.). A pureza do coração é condição prévia para a visão. Já desde agora, permite-nos ver segundo Deus, aceitar o outro como um «próximo» e compreender o corpo humano, o nosso e o do próximo, como um templo do Espírito Santo, uma manifestação da beleza divina.

Jesus, no entanto, alertava que se conquistássemos a pureza, esta devia ser mantida:

“«Quando um espírito maligno sai de um homem, vagueia por lugares áridos em busca de repouso; e, não o encontrando, diz: ‘Vou voltar para minha casa, de onde saí.’ Ao chegar, encontra-a varrida e arrumada. Vai, então, e toma consigo outros sete espíritos piores do que ele; e, entrando, instalam-se ali. E o estado final daquele homem torna-se pior do que o primeiro.»”(Lucas 11, 24-26)


Apesar de Jesus se preocupar com a pureza interior, na sua última ceia com os seus discípulos, resolveu lavar os seus pés:

“Enquanto celebravam a ceia, Jesus, sabendo perfeitamente que o Pai tudo lhe pusera nas mãos, e que saíra de Deus e para Deus voltava, levantou-se da mesa, tirou o manto, tomou uma toalha e atou-a à cintura. Depois deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que atara à cintura. Chegou, pois, a Simão Pedro. Este disse-lhe: «Senhor, Tu é que me lavas os pés?» Jesus respondeu-lhe: «O que Eu estou a fazer tu não o entendes por agora, mas hás-de compreendê-lo depois.» Disse-lhe Pedro: «Não! Tu nunca me hás-de lavar os pés!» Replicou-lhe Jesus: «Se Eu não te lavar, nada terás a haver comigo.» Disse-lhe, então, Simão Pedro: «Ó Senhor! Não só os pés, mas também as mãos e a cabeça!» Respondeu-lhe Jesus: «Quem tomou banho não precisa de lavar senão os pés, pois está todo limpo. E vós estais limpos, mas não todos.» Ele bem sabia quem o ia entregar; por isso é que lhe disse: ‘Nem todos estais limpos’. Depois de lhes ter lavado os pés e de ter posto o manto, voltou a sentar-se à mesa e disse-lhes: «Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me ‘o Mestre’ e ‘o Senhor’, e dizeis bem, porque o sou. Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também. Em verdade, em verdade vos digo, não é o servo mais do que o seu Senhor, nem o enviado mais do que aquele que o envia. Uma vez que sabeis isto, sereis felizes se o puserdes em prática.”(João 13, 3-17)

Jesus, mais uma vez, manifesta a sua imensa sabedoria, ao ensinar aos seus discípulos uma mensagem muito especial, que vai para além do simples banhar dos pés antes da ceia. 

Jesus, o Mestre, faz-se servo… 


Jesus ensina-me que só serei verdadeiramente pura se for humilde para obedecer a Deus, independentemente do que os outros digam ou pensam.

A pureza interior nasce dessa humildade, de nos considerarmos frágeis, e por isso, não sabemos nada e só em Deus, podemos atingir a plenitude da perfeição interior.

Na Quinta-Feira Santa, este gesto de lavar os pés, repete-se nas celebrações litúrgicas católicas, em todo o mundo.

O Papa Francisco vai presidir a celebração de «lava-pés» com alguns presos na Casa de Reclusão de Paliano, no dia 13 de abril de 2017, Quinta-feira Santa, na Província de Frosinone e Diocese de Palestrina, a sul de Roma. Esta celebração e visita do Papa é “estritamente privada”.

Não é a primeira vez que o nosso amado Papa Francisco ensina-me esta lição de humildade. E ainda mais, oferece-me a forma de o fazer: sem ser publicamente pois a verdadeira humildade não pode ter aplausos.

A humildade é uma flor rara que nasce do anonimato de um coração limpo e purificado no Amor Pleno de Deus.

Louvado Seja Deus!




BIBLIOGRAFIA

Passagens bíblicas retiradas do site www.capuchinhos.org

Catecismo da Igreja católica consultado em  www.vatican.va/archive/cathechism_po/


Notícias do Papa Francisco consultadas em:



Pinturas de Gráccio Caetano  - www.gracciocaetano.com