“Felizes os pobres em espírito,
porque deles é o Reino do Céu.” (Mateus 5, 3)
Quando ouvimos esta
bem-aventurança de Jesus, parece-nos estranha, a princípio.
Estamos acostumados a ouvir que
os pobres de espírito são pessoas que na sua fraqueza espiritual facilmente se
deixam arrastar pelos apegos materiais e as vãs filosofias.
Os fracos de
espírito desesperam perante as dificuldades da vida pois a sua fé é frágil.
Porém, Jesus louva “os pobres em
espírito” e estes em nada se parecem com “os pobres de espírito”.
Existe uma grande diferença entre
estas duas expressões.
Ler e reler as escrituras
oferece-nos um crescimento contínuo. É maravilhoso como a Palavra de Deus tem
tanto para nos falar, nos pormenores que Jesus falou ao povo de Israel naquele
tempo e ainda hoje nos fala.
E Jesus diz que os “pobres em
espírito” são felizes.
A felicidade é o que mais
almejamos neste mundo, porém como podem ser felizes os “pobres em espírito”?
Como posso ser eu um “pobre em espírito”?
O catecismo da Igreja Católica
nos nºs. 2544 e seguintes, dedica-se à “Pobreza de coração”.
Especialmente no nº 2546, há uma
referência à seguinte frase de São Gregório de Nissa: ”O Verbo chama “pobreza em
espírito” à humildade voluntária do espírito humano e à sua renúncia; e o
apóstolo dá-nos como exemplo a pobreza de Deus, quando diz: “Ele fez-se pobre
por nós” (2 Coríntios,9)” .
Pelo que compreendi, para ter a
“pobreza em espírito” tenho de primeiramente ser humilde.
Só pela humildade é que consigo ter
uma livre vontade para optar e voluntariamente caminhar neste caminho para ser
um “pobre em espírito”.
Devo acompanhar o exemplo da
pobreza de Deus que se fez “pobre” naquela manjedoura em Belém na forma de um
bebé recém-nascido, igualando-se a mim na minha humanidade.
Jesus ensina-me que quem renuncia
às riquezas humanas e aos apegos do mundo, é feliz.
São Paulo assim diz na segunda
carta a Coríntios 9, 7-8: “Cada um dê como dispôs em seu coração, sem
tristeza nem constrangimento, pois Deus ama quem dá com alegria. E Deus tem
poder para vos cumular de toda a espécie de graça, para que, tendo sempre e em
tudo quanto vos é necessário, ainda vos sobre para as boas obras de todo o
género.”
Não posso ter qualquer tipo de constrangimento
quando escolho livremente oferecer os meus bens a Deus.
Quanto maior for a minha
alegria neste caminho de “pobreza em espírito” mais Deus proporcionará as
graças que realmente necessito.
As graças que realmente preciso, sejam
espirituais ou corporais devem ser dádivas e não fruto da escravidão e do egoísmo.
As promessas de Deus inundam toda
a terra com a pronta satisfação das nossas necessidades. Estas necessidades não
são as anunciadas na TV.
Neste mundo moderno, somos
encharcados com necessidades para tudo em todos os cantos e lugares.
Cada vez
mais a nossa mala material nos persegue e nos agarra os pés, durante a nossa
viagem aqui na terra.
Lembro-me que, muitas vezes,
quando ia numa excursão, preparava a mala de viagem com várias roupas e coisas
que julgava serem necessárias durante aqueles dias longe de casa. O certo, é
que quase sempre, nem metade daquilo usava e andava de um lado para o outro
carregando aquelas pesadas malas…
A vida hoje, parece-me assim.
Estamos sempre a levar enormes bagagens materiais atrás de nós. Se vamos de
metro ou de comboio, temos de levar um livro para ler ou um tablet para brincarmos
um jogo ou escrevermos isso e aquilo.
Os telemóveis estão cada vez mais
apetrechados com aplicações para nos entreterem.
Enquanto isso, o comboio da nossa
vida passa por paisagens maravilhosas que estão do lado de fora da janela, que
não são vistas nem apreciadas por nós, porque estamos de olhos centrados
naquele ecrã iluminado que nos está a “entreter”.
Quem é “pobre em espírito” fica
com o espírito mais leve para apreciar o que se passa à sua volta. A viagem da
vida é curta demais e o que vivo hoje é único e irrepetível.
Mesmo que volte a
repetir determinada situação, sei bem que nunca será da mesma maneira.
Tenho de ser “pobre em espírito”
para saber optar por esta pobreza a que Jesus me convida a viver”.
Assim diz ainda São Paulo: “Ficai
sabendo: Quem pouco semeia, também pouco colherá; mas quem semeia com
generosidade, com generosidade também colherá.” (2 Coríntios 9,6)
Mas ainda há quem pense que só os
ricos em bens materiais são chamados a se desprenderem dos seus bens.
Pensamos sempre que este convite à “pobreza
em espírito” é apenas dirigida a quem tem imensos bens dos quais se pode
despojar.
Engana-se quem pensa assim.
Jesus
fala de sermos “pobres em espírito” e aqui relembro aquela história contada por
Jesus de uma certa viúva que entregou a sua pequena oferta no altar.
“Levantando os olhos, Jesus viu
os ricos deitarem no cofre do tesouro as suas ofertas. Viu também uma viúva
pobre deitar lá duas moedinhas e disse: «Em verdade vos digo que esta viúva
pobre deitou mais do que todos os outros; pois eles deitaram no tesouro do que
lhes sobejava, enquanto ela, da sua indigência, deitou tudo o que tinha para
viver.» (Lucas 21, 1 – 4)
Esta história sempre me inquietou. Uma
pobre viúva que oferece no altar aquilo que lhe faz falta. Humanamente, é incompreensível
tal despojamento!
Esta pobre viúva entregou muito
mais do que aqueles tantos ricos que ali também depositaram as suas ofertas.
Jesus alcança também os pobres
pois estes também podem se apegar aos seus poucos bens com tanta avareza como
os ricos.
Não se trata aqui de entregar o
que nos sobra, mas sim, de confiarmo-nos na Providência de Deus dia após dia.
Por vezes, não damos os bens materiais porque julgamos que nos irão fazer falta
e os guardamos para o dia seguinte ou para o futuro.
Quando Deus mandou o Maná para o
seu povo que andava no deserto, disse-lhes que cada um devia apenas recolher o
que precisava para aquele dia e não guardar nada para o outro dia. Quem resolveu
pegar para além da porção de que precisava naquele dia, acabou por verificar
que de um dia para o outro a porção a mais se estragava. O povo assim, teve de
esperar da parte do Senhor, o sustento de cada dia, dia após dia, confiando apenas
na Providência de Deus.“ (Êxodo 16).
“O abandono à providência do Pai
do céu liberta da preocupação pelo amanhã. A confiança em Deus dispõe para a
bem-aventurança dos pobres. Eles verão a Deus.”(Catecismo da Igreja
Católica, 2547 – 2ª parte).
Os “pobres em espírito” verão a
Deus porque desejam a verdadeira felicidade.
“O desejo da verdadeira felicidade
liberta o homem do apego imoderado dos bens deste mundo, e terá a sua plenitude
na visão beatífica de Deus”. (Catecismo da Igreja Católica, 2548 – 1ª
parte).
Agora percebo as palavras de
Jesus quando disse:
“Felizes os pobres em espírito,
porque deles é o Reino do Céu.” (Mateus 5, 3)
O Reino do Céu pertence a todos
os “pobres em espírito” porque só estes conseguem estar plenamente livres para
viver a verdadeira felicidade em Deus.
Fotos da pintura sobre tela "São Francisco" de Rosária Vilela - Gráccio Caetano Atelier
www.gracciocaetano.com
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