Hoje meditei o capítulo 4 da 2ª Epistola de São Paulo aos
Coríntios que fez parte da liturgia da Palavra da Santa Missa.
As palavras de São Paulo mais uma vez entraram em meu
coração como flechas de luz a vencer todos os temores e dúvidas.
As palavras são tiradas de uma das treze cartas do Novo
Testamento atribuídas ao apóstolo Paulo, sendo esta escrita aos Coríntios considerada
proto-paulinas, ou seja, escrita pelo próprio Paulo.
As Cartas eram o único meio, ao alcance de Paulo para
comunicar com as comunidades recentemente formadas.
“Por isso, investidos neste ministério que nos foi concedido
por misericórdia, não perdemos a coragem, mas repudiamos os subterfúgios
vergonhosos, não procedendo com astúcia nem adulterando a palavra de Deus,
antes, pela manifestação da verdade, recomendando-nos à consciência de todos os
homens diante de Deus.” (2Coríntios 4, 1- 2)
São Paulo lembra-me que existe um dom, este ministério
conferido pela Palavra de Deus que não pode ser adulterado pela nossa vontade
humana sujeita aos tais “subterfúgios vergonhosos” que muitas das vezes nos
leva para longe da vontade de Deus. Paulo usa uma palavra forte “vergonhosos”
como que dar uma chamada de atenção forte para depois prosseguir a sua carta aos
Coríntios.
“Mas esta «relação íntima e vital que une o homem a Deus»(1)
pode ser esquecida, desconhecida e até explicitamente rejeitada pelo homem.
Tais atitudes podem ter origens diversas (2) a revolta contra o mal existente
no mundo, a ignorância ou a indiferença religiosas, as preocupações do mundo e
das riquezas (Cf. Mt 13, 22 ), o mau exemplo dos crentes, as correntes de
pensamento hostis à religião e, finalmente, a atitude do homem pecador que, por
medo, se esconde de Deus (Cf. Gn 3, 8-10) e foge quando Ele o chama (Cf. Jn 1,
3).” (Catecismo da Igreja Católica nº. 29)
A vida diária neste mundo visível de muitos caminhos e opções oferece-nos acesso a várias ideologias e opiniões, nem sempre eficazes ou experimentadas no decorrer do tempo. Por vezes, os interesses económicos sobrepõem-se ao que é bom e válido.
“Se, entretanto, o nosso Evangelho continuar velado, está
velado para os que se perdem, para os incrédulos, cuja inteligência o deus
deste mundo cegou, a fim de não verem brilhar a luz do Evangelho da glória de
Cristo, que é imagem de Deus.” (2Coríntios 4, 3- 4)
O que Paulo nos alerta é que há um “deus deste mundo” que
cega e não nos deixa ver a ”luz do
Evangelho da glória de Cristo”. Aliás, Paulo diz mesmo que este Evangelho é a
própria imagem de Deus. O Evangelho é esta “Boa Nova” transmitida por Cristo na
sua própria pessoa, como Filho de Deus, enquanto viveu neste mundo.
É por isso que o homem tem necessidade de ser esclarecido
pela Revelação de Deus, não somente no que diz respeito ao que excede o seu
entendimento, mas também sobre «as verdades religiosas e morais que, de si, não
são inacessíveis à razão, para que possam ser, no estado actual do género
humano, conhecidas por todos sem dificuldade, com uma certeza firme e sem
mistura de erro» (3). (Catecismo da Igreja Católica nº. 38)
“Pois, não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o
Senhor, e nos consideramos vossos servos, por amor de Jesus. Porque o Deus que
disse: das trevas brilhe a luz, foi quem brilhou nos nossos corações, para
irradiar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo. Trazemos,
porém, este tesouro em vasos de barro, para que se veja que este extraordinário
poder é de Deus e não é nosso.” (2Coríntios 4, 5- 7)
O que pregamos não pode vir de nós mesmos, mas sim devemos
apenas falar do próprio Jesus, que nos deu o “conhecimento da glória de Deus”. Porém,
somos uns simples “vasos de barro”, tão frágeis que guarda este tesouro imenso
que é o próprio Cristo. Por isso não podemos falar do que vem de nós mesmos,
mas apenas o que disse Jesus pois só assim se manifestará o poder de Deus em
nossa vida.
“A transmissão da fé cristã é, antes de mais, o anúncio de
Jesus Cristo, para Levar à fé n'Ele. Desde o princípio, os primeiros discípulos
arderam no desejo de anunciar Cristo: «Nós é que não podemos deixar de dizer o
que vimos e escutámos» (Act 4, 20). E convidam os homens de todos os tempos a
entrar na alegria da sua comunhão com Cristo: «O que ouvimos, o que vimos com
os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram acerca do Verbo da
vida, é o que nós vos anunciamos, pois a vida manifestou-Se e nós vimo-la e
dela damos testemunho: nós vos anunciamos a vida eterna que estava junto do Pai
e nos foi manifestada. Nós vos anunciamos o que vimos e ouvimos, para que
estejais também em comunhão connosco. E a comunhão em que estamos é com o Pai e
com o seu Filho, Jesus Cristo. E escrevemos tudo isto para a nossa alegria ser
completa» (1 Jo, 1, 1-4). (Catecismo da Igreja Católica nº. 425)
“Em tudo somos atribulados, mas não esmagados; confundidos,
mas não desesperados; perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não
aniquilados. Trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus, para que também a
vida de Jesus seja manifesta no nosso corpo. Estando ainda vivos, estamos
continuamente expostos à morte por causa de Jesus, para que a vida de Jesus
seja manifesta também na nossa carne mortal. Assim, em nós opera a morte, e em
vós a vida." (2Coríntios 4, 8- 12)
Estas palavras de Paulo encheram o meu coração de esperança porque, apesar de tudo, há em nós este permanecer firme, apesar do que nos possa acontecer.
Ousamos falar de
Cristo aos outros e isso pode ser causa de tribulação, confusão, perseguição e
abatimento que nos é infligido pelo deus deste mundo e seus seguidores. À imagem de Cristo na Cruz, o deus deste mundo não nos poupará pois
sabe que o poder da luz de Cristo, com suas Palavras arrasta e converte muitas
almas e as afasta do mal. São Paulo viveu isso em sua própria vida, desde que
aceitou ser apóstolo do Cristo que antes perseguia. Está aqui em causa, uma
luta pela vida, a verdadeira vida que Cristo nos veio anunciar.
A certeza de que a vida em Cristo refrigera as nossas dores e abraça-nos numa tranquilidade que apenas a fé poderá explicar.
“Animados do mesmo espírito de fé, conforme o que está
escrito: Acreditei e por isso falei, também nós acreditamos e por isso falamos,
sabendo que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus, também nos há-de ressuscitar
com Jesus, e nos fará comparecer diante dele junto de vós. E tudo isto faço por
vós, para que a graça, multiplicando-se na comunidade, faça aumentar a acção de
graças, para a glória de Deus.” (2Coríntios 4, 13- 15)
Devemos estar animados no “espírito de fé” pois a
Ressurreição de Cristo é a nossa maior alegria, pois a graça de ter igual
esperança deve aumentar a nossa Ação de graças, a todo o momento, apesar de todas
as tribulações que passamos neste mundo.
“Por isso, não desfalecemos, e mesmo se, em nós, o homem
exterior vai caminhando para a ruína, o homem interior renova-se, dia após dia.
Com efeito, a nossa momentânea e leve tribulação proporciona-nos um peso eterno
de glória, além de toda e qualquer medida. Não olhamos para as coisas visíveis,
mas para as invisíveis, porque as visíveis são passageiras, ao passo que as
invisíveis são eternas." (2Coríntios 4, 16- 18)
São Paulo convida-me a ver a realidade deste mundo visível
como passageiro, enquanto a eternidade que Cristo nos ensinou está no
que está invisível. Por isso, apesar das maiores dores que hoje me possam atormentar, tenho
diante de mim a presença de Deus e toda a eternidade ao lado desta paz indescritível que só se encontra Nele. Porém este percurso com Deus inicia-se ainda nesta terra, renovando-me, agora, neste momento, no dia após dia, apesar de todas as dores, angústias e
perseguições que me possam abater.
Quando penso nos primeiros cristãos que no tempo do apóstolo
Paulo eram levados para as prisões, condenados à morte, das formas mais dolorosas,
e mesmo assim, não desanimavam e nem desistiam da sua fé.
Esta palavra me interroga sobre a minha fé. Com as
tribulações do dia a dia serei capaz de prosseguir sem me deixar cegar pelos
cuidados deste mundo? Será que estou atenta aos pequenos sacrifícios do dia a dia,
oferecendo-os pela conversão das almas que estão afastadas da luz de Deus assim como o fizeram os três pastorinhos de Fátima? Não precisamos buscar sacrifícios para além dos que nos sucedem dia após dia.
Cada cristão tem este tesouro dentro de si, capaz de
revigorar corações e libertar as cadeiras das trevas que abatem a existência terrena. Este grande tesouro é o que nos faz ter esperança quando outros
já a perderam.
Pela lógica do mundo, dizem-nos que somos os que levam o
leme do nosso barco da vida, e é verdade. Porém, o barco navega no mar de
circunstâncias e opções diárias, numa linha do tempo que nos oferece a
eternidade, mas engana-se quem pensa que sozinho consegue guiar-se neste mar infinito e escuro. No céu, estão lá as estrelas que guiam também os
navegantes, e como é bom, quando temos a luz de Deus na nossa vida a guiar os
nossos passos, com o Espírito Santo e as palavras de Jesus Cristo.
Este é o tesouro magnífico dos que deixam Deus entrar nas
suas vidas, permitindo que Ele também leve o leme, especialmente nos momentos de
tempestade.
Termino esta reflexão, lembrando-me de uma passagem bíblica
que relata quando Jesus dormia no barco, enquanto os apóstolos temiam por causa
de uma tempestade que os arrastava.
Os apóstolos acordaram Jesus porque julgavam
estar tudo perdido. Jesus acordou e com simples palavras calou a tempestade. Depois
indaga os apóstolos: “Onde está a vossa fé?”
Jesus dormia em meio à tempestade pois deixava-se sempre nas
mãos de Deus, seu Pai.
Então, em meio às tempestades da vida, Jesus Jesus também pergunta-me: “Onde
está a vossa fé?”
“Certo dia, Jesus subiu com os seus discípulos para um barco
e disse-lhes: «Passemos à outra margem do lago.» E fizeram-se ao largo. Enquanto
navegavam, adormeceu. Um turbilhão de vento caiu sobre o lago, e eles ficaram
inundados e em perigo. Aproximaram-se dele e, despertando-o, disseram: «Mestre,
Mestre, estamos perdidos!» E Ele, levantando-se, ameaçou o vento e as águas,
que se acalmaram; e veio a bonança. Disse-lhes depois: «Onde está a vossa fé?»
Cheios de medo e admirados, diziam entre eles: «Quem é este homem, que até
manda nos ventos e nas águas, e eles obedecem-lhe?»
(Lucas 8, 22-25)
As passagens bíblicas e pormenores históricos foram
consultados em
O Catecismo da Igreja Católica foi consultado em:
Fotos de Rosária Grácio
Pinturas de Gráccio Caetano
Referências:
1. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes,, 19: AAS 58 (1966) 1039.
2. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, 19-21: AAS 58 (1966) 1038-1042.
3. Ibid., DS 3876. Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius. c. 2: DS 3005; II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum. 6: AAS 58 (1966) 819-820; São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I, q. 1, a. 1, c.: Ed. Leon. 4. 6.